Angola registou este ano 55 acidentes com minas e explosivos não-detonados, segundo o assessor da comissão nacional de desminagem, acrescentando que o país possui ainda 613 áreas afectadas por minas. Será mesmo do interesse do Estado/MPLA acabar com este flagelo? É que as minas podem (continuar a) ser uma mina.
Adriano Gonçalves informou que, segundo o registo provisório até à data, a maior parte dos acidentes deu-se com artefactos explosivos não-detonados (bomblets — munições, ‘rockets’, entre outros, lançados por via aérea ou terrestre, através de artilharia, que se espalham pelo solo e não explodem).
“Muitos desses casos são (pessoas) à procura de meios de subsistência, em que as crianças e jovens vão encontrando algum metal e não tendo conhecimento do que são remanescentes de guerra e até de material explosivo, muitas vezes manuseiam de forma inadequada e acabam por explodir”, frisou o assessor da Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH).
O responsável indicou que a maior parte dos acidentes são com UXOS, isto é, engenhos explosivos não-detonados e que “com minas, o número já é muito reduzido”.
Relativamente aos acidentes com minas, Adriano Gonçalves disse que têm estado a diminuir consideravelmente, fruto do conhecimento das áreas afectadas e do trabalho de educação sobre os riscos, embora ainda insuficiente.
Angola possui ainda (apesar de a paz ter chegado há 18 anos) 613 áreas afectadas com minas, em três províncias consideradas as mais minadas do país, cujo processo de desminagem foi reforçado agora com 11,1 milhões de dólares (9,4 milhões de euros) doados pelos Estados Unidos da América.
Adriano Gonçalves considerou bem-vinda a doação norte-americana, destinada a projectos de desminagem humanitária e de gestão de inventário de armamento em Angola, sublinhando que o Governo dos EUA é um doador tradicional e que esta verba vai servir para os operadores de desminagem continuarem as suas actividades no campo, desminando as áreas afectadas no país.
A embaixada dos Estados Unidos da América em Angola, frisou que, desde 1995, o Governo norte-americano contribuiu com mais de 145 milhões de dólares (123,3 milhões de euros) para os esforços de desminagem.
Segundo Adriano Gonçalves, Angola ainda tem muitas áreas afectadas com minas, mas identificadas e controladas através de uma base de dados central.
“Temos todas essas áreas configuradas na base de dados, sabemos onde elas estão, nas províncias, nos municípios, as comunas em que elas se encontram, inclusive temos as coordenadas dessas áreas”, disse.
As províncias do Cuando Cubango, com 251 áreas afectadas de minas, seguida do Moxico, com 240 áreas, e o Bié, com 122, lideram o desafio da desminagem em Angola, sendo as províncias de Malanje, sem áreas afectadas, a do Huambo, com uma área afectada, e a do Namibe, com três áreas, as que dentro de pouco tempo poderão declaradas livres de minas.
O trabalho de desminagem no país depende seriamente dos financiamentos, das doações que vêm do exterior, sublinhou Adriano Gonçalves, fundamentalmente dos países que têm as suas Organizações Não-Governamentais (ONG’s) representadas em Angola, como a Noruega, Reino Unido, Alemanha, Japão, este último igualmente um dos tradicionais doadores, e outros países.
“De uma forma ou de outra aguardamos sempre que haja mais doações daqui para diante, porque esse trabalho só pode ser efectivo quando tivermos a contribuição da comunidade internacional, por si só Angola tem grandes dificuldades de poder banir todas essas áreas afectadas do país”, rematou.
Angola tem um grande compromisso no âmbito da Convenção Otawa, prosseguiu, lembrando que é Estado parte desde 2003 e, em 2014, assinou a Declaração de Maputo, para que o país seja livre de minas até 2025.
“Temos estado a fazer um esforço no sentido de cumprirmos com este desiderato. Claro que todos estes financiamentos contribuem para que o processo de desminagem se mantenha activo, pese embora o momento que nós atravessamos”, disse Adriano Gonçalves, referindo-se à pandemia da Covid-19.
De acordo com o assessor da CNIDAH, os projectos continuam, na sua maioria, mas as medidas de biossegurança têm limitado a movimentação das brigadas de sapadores a nível das províncias, bem como a sua composição.
“O processo de desminagem em si deixa os sapadores separados a uma distância de cerca de 25 metros, mas o problema é de facto o transporte e acomodação desses sapadores em determinadas áreas, tendo em conta as normas de biossegurança”, explicou Adriano Gonçalves, precisando que o processo de desminagem não parou, só está reduzido”.
Novembro de 2019. Foi noticiado que Angola libertara, nos últimos cinco anos, 90% das áreas suspeitas de contaminação por minas, mas apesar dos progressos o país continuava na lista dos 10 estados mais contaminados, segundo um relatório divulgado na altura.
De acordo com o relatório anual da Campanha Internacional para a Erradicação de Minas Terrestres (ICBL, na sigla em inglês), o Landmine Monitor, Angola mantinha-se entre os países classificados como tendo contaminação massiva, ou seja, com mais de 100 quilómetros quadrados de áreas com minas terrestres e outros engenhos explosivos.
Além de Angola, constavam deste grupo o Chade, Afeganistão, Camboja, Tailândia, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Turquia, Iraque e Iémen, todos estados signatários do Tratado para a Erradicação das Minas Terrestres, que tem mais de duas décadas de existência.
Há 21 anos, 164 países comprometeram-se a banir o uso, produção, comércio e armazenagem de minas antipessoal, bem como a destruir os `stocks` destes dispositivos, limpar as áreas contaminadas num período de 10 anos e fornecer assistência às vítimas destes engenhos explosivos, na sua maioria civis.
Há 33 países que continuam fora do tratado, mas, segundo a ICBL, têm respeitado as suas principais determinações e rejeitado o uso destes engenhos pelas respectivas forças armadas.
“O estigma contra as minas antipessoal continua forte”, assinala o relatório, que documentou apenas o uso de minas por forças governamentais durante 2019 em Mianmar, país que não integra o tratado.
As minas antipessoal são hoje usadas sobretudo por grupos armados não estatais, tendo sido registado o seu uso em pelo menos seis países: Afeganistão, Nigéria, Iémen, Índia, Mianmar e Paquistão.
Angola surge entre os países que detém minas terrestres armazenadas para treino ou investigação, tendo declarado 1.304 dispositivos (2018), menos 156 do que inicialmente declarado. Entre 2014 e 2018, Angola conseguiu limpar 9.74 quilómetros quadrados terras minadas.
O tratado para a eliminação de minas pessoais entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2003 em Angola, que, ao abrigo do artigo 5, tinha até 2013 para limpar as zonas minadas sobre a sua jurisdição, no entanto, o país submeteu dois pedidos de extensão para cumprir o objectivo de descontaminação e espera até 31 de Dezembro de 2025 limpar os 105.05 quilómetros que permanecem contaminados.
Em 2006, cumprindo outra das disposições do tratado, Angola reportou ter completado a destruição de mais de 81 mil minas antipessoal que tinha armazenadas.
O relatório assinala ainda que o país registou uma redução dos fundos para o programa de desminagem após a perda de financiamento da União Europeia, em 2016, e dos Estados Unidos, em 2018, o que se reflectiu nos progressos na limpeza das áreas minadas.
De acordo com o relatório, a maioria dos Estados orçamenta actividades de desminagem, mas os fundos raramente são suficientes para suportar os programas na sua totalidade, sendo que, no caso de Angola, os “significativos fundos” destinados pelo Governo para as acções de limpeza foram quase “exclusivamente” associados a projectos de grandes infra-estruturas. O relatório assinala ainda Moçambique como um dos 31 países que se declararam livres de minas.
O relatório ICBL de 2019 apresenta uma revisão dos progressos alcançados nos 20 anos após a entrada em vigor do Tratado para a Erradicação de Minas sublinhando o “sucesso impressionante do tratado” traduzido na quase total eliminação do uso destes dispositivos por forças governamentais.
Os longos períodos de conflito, primeiro no período colonial, iniciado em 1961 e logo após a independência, em 1975, numa guerra civil que só teve fim em 2002, deixou espalhadas pelo país milhares de minas e outros engenhos explosivos por detonar que, apesar das operações de limpeza, continuam a fazer vítimas.
O Governo necessita, segundo revelação feita a 27 de Agosto de 2019, de 300 milhões de dólares (269,7 milhões de euros) para se ver livre de minas até 2025.
Regressemos a 7 de Junho de 2019. “Estamos entre os países considerados com alto nível de contaminação e ainda não saímos dessa área”, disse nesse dia, em Luanda, Adriano Gonçalves, que falava à margem de um encontro de Coordenação e Avaliação do Programa de Desminagem em Angola, tendo em conta a Agenda 2025, estabelecida para os países concluírem a desminagem, assumindo que, “realisticamente, Angola não poderá atingir a meta”.
“Estamos conscientes de que esta data [2025] não será tão realística para nós, porque precisaríamos de 350 milhões de dólares [308 milhões de euros] para libertar cerca de 450 áreas afectadas por ano, que seriam cerca de 15 milhões de metros quadrados por ano, para que chegássemos, em 2025, e tivéssemos o problema completamente resolvido”, referiu.
Folha 8 com Lusa